Não deixe seus livros parados na estante. Troque seus livros com 200 mil leitores. Participe!

CADASTRE-SE

RELATOS – COMPROMETIMENTO E DETERMINAÇÃO: DA LINHA DE PRODUÇÃO À ASSESSORIA EXECUTIVA

Elisa Elena Strack
(0) votos | (0) comentários

Sinopse
Os cursos jurídicos em geral possuem como determinação proporcionar ao estudante de Direito um conteúdo básico vinculado às chamadas disciplinas propedêuticas, que cumprem a função de estabelecer uma estrutura, uma base fundante para o futuro jurista. É também uma exigência legal imposta pelo Ministério da Educação.1 A preocupação com as questões fundantes e básicas, entretanto, não representa apenas o que é legal ou passageiro, questão meramente introdutória, como se seu caráter fosse simplesmente preparatório ou uma espécie de trampolim para a prática do futuro jurista. Pelo contrário, as disciplinas propedêuticas têm por objetivo fornecer uma base de apoio que acompanhe o jurista em toda sua trajetória de vida, pois elas se propõem às questões mais elevadas e também porque estabelecem o marco do pensar, do agir, da teoria e da prática. No curso de Direito, as disciplinas propedêuticas ocupam lugar de destaque no primeiro semestre e vêm abraçadas, já de início, ao Direito Civil, de modo que o aluno é apresentado, desde os primeiros passos, não apenas ao conceito de direito, à história do direito e do Estado, mas também ao próprio direito civil. O jurista contemporaneamente busca razões muitas vezes históricas, não apenas para propor uma ação, justificar seus argumentos na busca do Judiciário, ou mesmo para contestar uma ação, mas muito antes disso compreender por que está a favor ou contra uma causa, por que se sensibiliza por uma ou outra questão. Ele busca, acima de tudo, compreender o que é “certo” e “errado” e, mais do que isso, compreender as várias dimensões do “certo” diante das questões éticas, enfrentando, desde logo, o desafio de compreender as relações entre Justiça e Direito. A proposta aqui apresentada envolve uma caminhada que busca recuperar desde já o espaço enorme que, por muito tempo, se estabeleceu entre o público e o privado. Desde os seus primeiros passos, o aluno poderá envolver-se na reflexão da esfera pública e da esfera privada, observando como os dois mundos apresentam linhas limites cada vez menos identificáveis. As disciplinas propedêuticas, portanto, como Ciência Política, Introdução ao Estudo do Direito e História do Direito, assim como a Filosofia, Antropologia, a Psicologia, Sociologia e Economia e Linguística, possuem conteúdos que acompanham desde cedo a vida jurídica e jamais se afastam do jurista. Não se quer produzir um jurista, mas sim promover o que é potência latente em quem visa alcançar a Justiça. Professores e alunos são convidados, em um ambiente propício ao desenvolvimento das particularidades e diferenças, a participar da construção de um Curso de Direito, em que as escolhas são incentivadas para o amadurecimento ocasionado pela própria ação ou contemplação. Esse jurista também não será reprodutor de um conhecimento adquirido, mas produtor de ideias e decisões, que estimam-se, sábias. Por isso, necessita compreender sua própria existência no plano jurídico, assumindo o papel ativo que lhe é destinado. Precisa compreender que a História do Direito é também a sua história enquanto jurista, que a participação política e democrática é o resultado de suas próprias escolhas na vida pública, que, enfim, a sua interpretação da vida justa é a sua prática cotidiana consigo próprio e na vida comunitária. Que o mundo em que vive também é resultado de sua própria ação, de suas escolhas, do modo como contempla, interpreta e toma consciência do seu próprio significado. Como princípio metodológico, estima-se provocar nos alunos a curiosidade natural que já pode tê-los trazido para o curso de Direito. Estímulos através de questões próprias de cada disciplina que justificam sua existência na grade curricular e em um Curso de Direito. Quais são as questões fundamentais de cada uma das disciplinas aqui tratadas e que são as que de alguma forma trazem a promessa de constituírem-se em veículo do leigo ao mundo jurídico? A seguir alguns exemplos. Na disciplina de História do Direito, é natural que o aluno pergunte por que voltar ao passado. Muitas tabuinhas órficas encontradas na Grécia por arqueólogos incentivam o homem a mergulhar no passado. Algumas dizem: - Estou seco de sede e morro: mas dai-me, depressa, a água fresca que brota da fonte de Mnemósina. 2 Esta é a memória que mata a sede do homem, dá vida, liberta. Ao recuperar o passado, o ser humano recupera sua própria identidade e, com isso, sua . Na realidade, o material histórico constitui fonte constante sobre a qual se debruça o jurista em movimento crítico, buscando formar uma bagagem que o auxilie a construir sua própria memória histórica. Outras questões levarão o estudante a construir uma base sobre a qual poderá tornar-se um jurista crítico, mas para isso deverá conhecer tanto a história contada quanto desenvolver a consciência de que boa parte dela é resultado da experiência de vida de quem a transmitiu. Com isso em mente, pode-se partir para outras questões, como a que se situa na origem do Direito: quando surgiu? Mas por que é importante compreender que o Direito que vivemos hoje não era o mesmo de antigamente? Como pode a noção de Justiça nos povos ágrafos ser antes de tudo conciliatória e não de restauração de um equilíbrio natural? E quando surgiu a Justiça? Ela sempre existiu? É um existencial ou algo em constante evolução? Existe apenas “uma justiça”, ou cada civilização tem a sua? Afinal, como foi possível diferentes povos desenvolverem diferentes modos de solução dos conflitos? Existe uma forma melhor do que outra? Em Teoria Geral do Direito, a dúvida começa aqui: com que material trabalha o jurista? O que usa no seu dia-a-dia profissional? Que material é esse, de lide diária, bastante indomável, que desliza pelos dedos da mão cada vez que se tenta segurá-la como se fosse azeite? Esse material não é nem o Código de Leis, nem o sistema judiciário, nem os livros seculares da doutrina, mas a própria liberdade. É ela que, no fundo, atrai o aluno para o Curso de Direito e todos nós para a vida acadêmica. Também a justiça, que se busca constantemente, sofreu com a sujeição de uma atitude compreensiva à simples técnica – que desfigurou o próprio Direito –, isso num tempo em outra época nominada de “Iluminada”. 3 E ainda que a Justiça seja chamada por todos no momento de aplicação do Direito, como se fosse um dado corriqueiro e evidente, os debates sobre o melhor modo de alcançála, assim como o conceito de Direito, ainda que sejam questões antiquíssimas, formam ainda hoje o maior conteúdo em número de teses e projetos de pesquisa. O estudante veio ao Curso de Direito guiado por uma noção vaga do que seja Justiça e Direito. Mas quando questionado sobre seu significado, poucas são as palavras que consegue usar para esclarecê-las. Em Introdução ao Estudo do Direito, o aluno é colocado diante dos maiores desafios do jurista: como equilibrar o desejo de liberdade e justiça com a segurança. Enfrentar esse desafio é já o objetivo dessa disciplina. Já em Ciência Política, a questão básica vincula a própria noção e a ânsia de poder existentes nos seres humanos: poder, polis e política, termos que merecem bastante atenção. A disciplina vai tratar das diferenças entre poder e domínio, a necessidade da administração da cidade, os modos de controle político. Conhecer e compreender por que palavras como “política” e “virtude”, por exemplo, encontram-se tão desgastadas, procurando recuperar seu sentido original. Mas procura ir além, analisando os modos como se desenvolveu o controle do poder e como se teorizou acerca do modo de sua instituição, e ainda as relações entre política e ética e a legitimidade do governo, e finalmente, as garantias de um governo justo, ou a forma de como hoje se quer ou não governar e ser governado. Essas são questões que introduzem o aluno no Curso de Direito a partir da Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Cada tópico, portanto, é logo questionado na sua justificativa para estar ali. E a partir da sua justificação, poderemos seguir – pois também já foi dito que ao ser humano não cabe resolver os problemas do mundo, mas indagar o ponto onde eles surgem e se manter depois nos limites do compreensível (Goethe). E de outro modo, hoje, mais do que aprender a responder, é ter a pergunta valorizada, porque aquele que questiona já está coberto de razões… Está, pelo menos, incluído no debate e no diálogo, exercendo sua autonomia, reconhecendo-se como indivíduo e participando, pois o que se pode pensar do que jamais questiona, daquele que não possui nenhuma curiosidade, daquele que, por nada, demonstra interesse? A pergunta, portanto, aqui, sempre possui um lugar privilegiado. Ela é a prova de que alguém existe e está inserido, conscientemente, na História. Só pensar para existir pode ser a máxima cartesiana, mas na atualidade é necessário modificar um pouco o questionamento: o outro existe, e, no diálogo, nos reconhecemos, com nossas alegrias e tristezas partilhadas, e existimos. Há mais uma observação que merece ser posta: na atualidade há uma tendência generalizada à desconstrução, inclusive uma tendência ao apagamento de tudo. A longa tradição da produção cultural está ameaçada por uma “cultura das massas”, que é habitada por um “homem das multidões”, como chama Mattéi, um novo “bárbaro” que vê o mundo atual como “absolutamente chato”, e produz a “cultura bárbara” do nosso tempo, aplicando essa “produção” ao apagamento do mundo, de modo que a cultura contemporânea procura reflexivamente sua própria aniquilação. Parece que os efeitos da modernidade, que tinham por tendência provocar o choque, prolongam-se agora na forma da destruição da memória. É uma forma de causar o choque, que alimenta o bárbaro contemporâneo e que busca uma comoção para o espírito na forma da desconstrução – esses efeitos da decomposição são engendrados espontaneamente pela cultura de massas quando ela se relaciona com um sujeito vazio e incapaz de inserir-se no mundo.4 De certa forma, o declínio dos conceitos, compreensão dos termos, muito bem explicado por MacIntyre, 5 pode levar os alunos a um sentimento de simpatia pela qualificação de “bárbaro”, pois, afinal, perdemos boa parte da significação original dos termos por várias razões, mas a globalização de certa forma explica muita coisa. “Bárbaro” pode ser visto como “radical”, e este é visto como “virtuoso”, o que não tem sentido nenhum com a origem grega dos termos, se é que pretendemos compreender algo da paideia grega. 6 Mas o que importa é que, na atualidade, esse mesmo “bárbaro”, que muitos jovens podem ver como “bom”, é também o típico aluno receptor que decodifica uma mensagem dada por um professor emissor que codifica uma mensagem. E então os conhecimentos, como nos diz Mattéi,7 não são um só saber dotado de significação substancial, mas uma mera informação ligada a um fluxo máximo transmitido pelo canal de comunicação – e o ensino não é um esforço de pensamento crítico, e sim uma soma indeterminada de informações de que é preciso apoderar-se. Essa é a razão pela qual o aluno fica mudo! – Responde o autor às perguntas insistentes e silenciosas de muitos professores. Não queremos alunos mudos, reduzidos a receptores de informações, próprio da cultura de massas – que não têm conteúdo nenhum. Por isso, os professores sabem que não são meros suportes e transmissores de informações. São muito mais do que isso. E esse é um dos motivos do porquê se propuseram a escrever a presente obra, que se destina exclusivamente a seus alunos. Esta obra é a prova viva da importância do trabalho de cada professor, de cada mestre, com seus discípulos em sala de aula. Ela tem uma pretensão simples, mas é grandiosa em si mesma, pois deseja tão somente estabelecer uma ponte entre o aluno, que se prepara para dar os primeiros passos no campo jurídico, e o professor, que se prepara para ensinar esses primeiros passos. Por isso, a obra pretende espelhar o sagrado de cada um – ou o modo sagrado como cada um contempla e vive o ensino jurídico com seus alunos. Precisamos estar conscientes, unindo-nos em mútuo auxílio para nos manter conscientes. Vivemos atualmente na “cultura de massas” e podemos ser identificados ou corresponder a esse “ser humano das multidões”, que é vazio de sentido. Precisamos estar conscientes do perigo da adoração do nada, pela simples reação e correspondência ao desejo do nada da multidão em si.8 Diante disso, podemos tentar encontrar um sentido através da dedicação ao estudo, à compreensão do tempo e do espaço da humanidade e ao resultado de sua produção jurídica. Assim, poderemos dizer que fizemos de fato nossas escolhas. Do contrário, teremos sido transformados em objeto – de uso e gozo – dessa “humanidade barbarizada”9 , que tem antes anseio pela destruição do que pela construção. O final disso tudo é fácil de ser percebido. Pela primeira vez na história, o ser humano conseguirá destruir o que jamais pensou que pudesse deixar de possuir: o livre-arbítrio. Imaginando, assim, que aos nossos alunos seja possível enfrentar os desafios de estudar Direito com uma base doutrinária proposta por nossos professores, que busque aproximar os primeiros passos do Curso de Direito de maneira crítica, clara, coerente e simples, mas que, sendo simples, não deixe se ser igualmente profunda e que essa profundidade seja, não apenas técnica, mas também ética. Nesse sentido, são todos parte de uma construção permanente.10 É assim que vemos os primeiros passos em um Curso de Direito podendo ser dados de modo firme, com um olhar sobre a teoria e outro sobre a prática, sem desconhecer os vários percalços que as distintas racionalidades do mundo estão a sugerir. E em atitude alerta, pois se corre sempre o risco de sucumbir às tentações de uma rotina jurídica. Por isso o título da obra envolve a “formação” do jurista, relembrando a paideia grega, palavra também tão cara a Gadamer. A visão ontológica do sujeito deve sempre dialogar com a existência real do mundo no qual ele também se insere. E ali não existe rotina, ali estaremos dialogando com Heráclito no rio que nunca cessa de correr e no tempo que sempre nos amadurece – ou melhor, pode nos amadurecer – ou não. Fica aqui o convite.

Categoria
Editora Oikos
ISBN-13 9788576994428
ISBN 8576994429
Edição 1 / 2020
Idioma Português
Páginas 304
Estante 0  0  0   0
Sua estante
1% chance de ser solicitado

CADASTRE-SE


AVALIAÇÃO DO LEITOR
Já leu o livro? Comente!

Quero comentar sobre este livro